Aos 25 anos de banda, a Fresno vive seu auge e decide lançar um disco em duas partes que compilam uma grande celebração. Por isso, inclusive, lançá-lo por meio de festas espalhadas pelo mundo inteiro. “Eu Nunca Fui Embora” é uma afirmação forte. E a banda procura defendê-la com argumentos, faixa a faixa.
É um passeio pelas diferentes facetas e pegadas que a banda teve ao longo desses anos. Pois parte importante de nunca ir embora é saber se renovar, reinventar, e foi isso que manteve a banda ativa mesmo com altos e baixos.
Tem a Fresno jovem e intensa; a Fresno dançante; a Fresno megalomaníaca; a Fresno sexy; a Fresno raivosa; a Fresno triste e soturna.
Nesse disco, a banda usa e abusa de feats porque a nova lógica de algoritmos estimula isso. A música passa a aparecer e ser oferecida para os fãs de ambos os artistas, e uma música que teria 1 milhão de plays acaba batendo 3 milhões pelo esforço conjunto.
Isso simboliza inclusive como o disco é pensado para ser um sucesso. É um trabalho que reúne excelentes profissionais que tentam não apenas atingir um nível magnífico enquanto arte, mas também enquanto objeto de trabalho – de “marketing”.
Tem as feats; tem a identidade visual; tem o conceito; tem video-teasers; tem clipes criativos; tem listening parties; tem estrofe pensada pra TikTok; tá alinhado à trend do emo-country.
Além de estar estabelecida há tanto tempo como referência, a Fresno também é uma marca versátil que atrai os melhores profissionais do país – e alguns de fora também. Todo mundo quer trabalhar com o Lucas e com essa banda que consegue ir do dançante ao obscuro dentro de um mesmo conceito criativo.
AGORA VAMOS PRAS MINHAS IMPRESSÕES PESSOAIS
Sou fã de Fresno desde 2006 e tenho sentimentos distintos para cada uma das fases dela. Pra mim, nada supera o emo jovem e intenso do Quarto dos Livros, Ciano e Redenção. Mas aprecio demais as repaginadas recentes, de SAFC e VTQMV. Então vamos lá:
Eu Nunca Fui Embora – Um HINO em power rock que apresenta o conceito e mete o pé na porta. Um refrão gritado, extasiante. A letra é sensível mas a guitarra é pesada balanceando os dois lados que a banda tem de melhor.
Quando o Pesadelo Acabar – Muitas frases boas e excelente de se ouvir em shows: “Quando foi que a gente começou a piorar?” é surpreendentemente um dos grandes momentos do ao vivo.
Me And You (Foda Eu e Você) – Divertida, animada, dançante, radiofônica, bombaria horrores nas rádios.
Eu Te Amo / Eu Te Odeio – Não consigo curtir essa, mas sei que tem muita gente que gosta, então deve ter seu mérito.
Camadas – Amei essa desde os teasers, acho excelente, refrão grudento, frases muito boas, solo de guitarra gostoso de ouvir. Principalmente o segundo refrão dá vontade de repetir pra sempre: Cê foi tirando, tirando, tirando…
Era Pra Sempre – Essa eu curti demais também. No show é uma experiência catatônica principalmente pelas PANCADAS que o Lucas dá na guitarra enquanto berra uma nota inalcançável para seres humanos. É maneiro demais ver como ele evoluiu nesse aspecto, ao ponto de você nem imaginar que seja possível ele desafinar um grito hoje em dia. Esses gritos são extremamente difíceis e foram se tornando uma especialidade do Lucas.
INTERLUDE – Não me diz nada, nem salvei. Se ouvi duas vezes foi muito.
A Gente Conhece o Fundo do Poço – Um rock animado, divertido, com frases muito boas de se cantar junto. O refrão gruda na cabeça que é uma beleza.
Se Eu For Eu Vou Com Você – Pra mim, a melhor do disco. Desde os primeiros riffs a gente já sabe o que esperar: um pop gostoso, apaixonado, que te transporta direto ali pra 2008-2011, meio “Agora” do NxZero com a tristeza da Fresno. O solo de sax deve ter tomado uma inspiração ali do Saxl Rose e foi muito bem feita pelo Milton Guedes. Esse solo me lembrou que eu tô ficando velho. Deu uma pegada de música de pai, e tá tudo bem.
Fala Que Ama – A Fresno sexy. Letra sobre aquela fase em que o romance tá ficando tóxico mas você ainda não tomou coragem pra terminar. Penso que essa aqui tem mais a cara da Pabllo do que Iô-Iô.
Essa Vida Ainda Vai Nos Matar – Uma música sobre ressaca. Tem momentos que eu gosto, tem momentos que me sinto lendo os adesivos da traseira de um caminhão. Acho que ficou numa pegada “conselho de tiozão”. Às vezes gosto, às vezes não. Preciso amadurecer o que sinto com essa música.
Diga Parte Final – Não tem como uma parte de Diga ser ruim. A única coisa ruim é ter sido a parte final. Poderia ser a Parte 3. Inclusive, dentro dessa mesma música, parecem ser duas partes diferentes. A música “acaba” aos 2:40 e começa uma Diga Parte 4 ali.
“Aprender que dói demais se acostumar” é uma excelente frase, polissêmica dentro de um relacionamento, e sempre profundamente viva. Você sabe exatamente do que ele tá falando independente da sua experiência pessoal.
A epítome final da história de Diga, o Lucas berrando do jeito que a gente ama e mais ninguém no Brasil faz, a guitarra em que você percebe cada paulada e que certamente fará o chão tremer ao vivo.
Eu amei. Que exista uma Diga (Pósfácio).
Canção Pra Quando o Mundo Acabar – Aquela música soturna com nome grande e gritaria no final, da escola de Cada Poça e Caminho Não Tem Fim. Sempre muito boa. “Olhei pro precipício e ele que virou o olhar. O que será que ele viu em mim?” é uma frase muito maneira, que poderia ter sido tirada do saudoso ORomanceEstáEmApuros.Blogspot.Com.
Camadas (Com Chitãozinho & Xororó) – Enxergo essa música como um bônus, um presentinho pro fã. Já disse que amei Camadas, mas achei que faltou esmero nesse feat. Parece que jogaram a letra numa Inteligência Artificial e saiu aquilo ali. Faltaram elementos que remetessem ao CH&X. Uma gaita, um acordeão, um elemento campestre. Uma excelente oportunidade de o solo de guitarra tocar junto com uma gaita. De fazer uma versão acústica, algo como o nothing,nowhere. tem feito.
CONCLUSÃO
Eu amo Fresno, e amo mais a cada dia. É absurdo. Você vê que conseguem dominar todos os elementos que se espera de um disco: o conceito criativo, a execução musical, a composição, os arranjos, e principalmente, a essência. O Lucas e a Fresno são aquilo ali. Eles parecem não esconder nada. É tão profundamente sincero que ressoa dentro da gente.
A pegada campestre ficou restrita ao visual, uma tendência importada da gringa, onde os emo tão fazendo música country, e cuja inspiração eles devem ter provado nos bastidores do I Wanna Be. Dá um visual maneiro pro disco e poderia ter sido mais expresso nas músicas também.